A empresária Isabel dos Santos considerou em declarações à televisão BBC, reagindo às acusações da investigação Luanda Leaks, que “todos vão ficar a perder” devido às investigações, lamentando “que Angola tenha escolhido este caminho”. Na verdade não serão todos os que “vão ficar a perder”. O MPLA está no poder há 44 anos, sempre trabalhou para os poucos que têm cada vez mais milhões (todos do MPLA) e nunca para os milhões que têm pouco… ou nada (20 milhões de pobres).
Numa entrevista ao programa Panorama, da estação pública de televisão britânica BBC, Isabel dos Santos argumenta que “as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito selectiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos”.
É verdade. O MPLA de João Lourenço faz do ataque a melhor defesa. Que melhor forma terá o Presidente do MPLA para não ter de dar explicações sobre o estrondoso falhanço do seu governo, ou explicar como se tornou igualmente milionário, do que centrar os holofotes na sua “bruxa” de eleição. Isabel dos Santos?
A empresária argumenta que as empresas que lançou nos últimos 20 anos são competentes e geridas por bons profissionais, e rejeita a ideia de que o facto de ser filha do antigo Presidente de Angola é sinónimo de culpa. Não é, de per si, sinónimo de culpa. Mas é sinónimo de beneficiária selectiva.
“Olhando para o meu histórico, vê o trabalho que fiz e as empresas que construí, são certamente empresas comerciais”, afirmou, acrescentando: “Há alguma coisa de errado numa pessoa angolana ter um negócio com uma companhia estatal? Penso que não há nada de errado, tem de perceber que não se pode dizer que por uma pessoa ser filho de alguém é imediatamente culpada, e é por isso que há muito preconceito”, afirmou a empresária.
Questionada sobre se o facto de ser filha do José Eduardo dos Santos não deve obrigar a mais cuidado nos negócios, Isabel dos Santos respondeu: “absolutamente”.
“Todos os meus negócios têm conselhos de administração extremamente bons, temos os melhores CEO [presidentes executivos), os melhores COO [directores financeiros], os melhores departamentos legais, e as pessoas são profissionais experientes, que trabalharam noutras empresas, e somos muito competentes”, concluiu.
A entrevista surgiu no dia seguinte a um grupo de jornalistas de que investigam o que lhes é dado para investigar, ter revelado mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que (sem veracidade comprovada) detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais os portugueses Expresso e SIC, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.
A propósito do deste consórcio, importa perguntar: Onde andavam estes investigadores quando o clã Eduardo dos Santos estava no Poder? Nessa altura eles estavam na praia e nós aqui no Folha 8 (por exemplo) estávamos a enfrentar o touro pelos cornos, a ver confiscados os computadores da nossa redacção, a ser intimidados e ameaçados, a coleccionar mais de 100 processos judiciais, a dar cambalhotas dentro de um carro que foi metralhado pelo MPLA, a enterrar alguns dos nossos companheiros, a apoiar a subsistência de outros que tiveram a sorte de conseguir fugir…
Durante a investigação (unicamente baseada em documentos minuciosamente seleccionados) foram identificadas mais de 400 empresas (e respectivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal (leia-se do MPLA) Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.
Revelam ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal accionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.
Recorde-se que tudo isto terá acontecido durante décadas em que João Lourenço esteve em hibernação fora do país. É que, de facto, o actual Presidente só chegou a Angola e ao MPLA há pouco mais de dois anos. Antes disso, só foi Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; Deputado na Assembleia do Povo; Chefe da Direcção Política Nacional das FAPLA; Secretário da Informação do MPLA; Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; Secretário-geral do MPLA; Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; Vice-presidente da Assembleia Nacional; Vice-presidente do MPLA e Ministro da Defesa.
Folha 8 com Lusa